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O meia inglês do Real Madrid segue sendo o rosto do marketing moderno do futebol, enquanto o Arsenal conquista uma vitória que levanta mais dúvidas do que certezas. |
Se existe um jogador que encarna o espírito da nova geração do futebol global, seu nome é Jude Bellingham. E não é necessariamente pelos gols, assistências ou conquistas — ainda que esses dados também existam. A questão é o pacote completo: presença de palco, declarações afiadas, carisma midiático e uma confiança que às vezes beira a soberba.
No duelo entre Real Madrid e Manchester City pela Champions League, Bellingham foi figura central no jogo — não por brilhar tecnicamente como Modric em seus dias de glória, nem por decidir com um golaço como Vinicius Jr. pode fazer, mas por ser o símbolo midiático da ocasião. Toda câmera o busca. Toda manchete o envolve. E todo gesto vira pauta.
Enquanto isso, na Inglaterra, o Arsenal venceu — mas a vitória veio com asterisco. O time de Mikel Arteta bateu um Bayern de Munique em fim de ciclo, com um Tuchel desmotivado no banco e uma defesa tão vulnerável quanto previsível. A classificação é inegável, mas está longe de simbolizar a tal “nova potência europeia” que alguns torcedores apressadamente anunciam nas redes sociais.
Bellingham: craque ou criação?
Jude Bellingham é, sem dúvida, um grande jogador. Tem técnica, visão de jogo, força física e personalidade. Mas há algo em sua construção como astro que provoca desconforto entre os mais críticos. Aos 20 anos, ele já foi transformado em ídolo pela máquina publicitária do futebol moderno, com direito a slogans, documentários e comparações precoces com lendas da bola.
A verdade é que, em muitos momentos decisivos da temporada, o meia inglês tem sido mais barulho do que bola. Contra o City, por exemplo, Bellingham apareceu mais reclamando com o árbitro e fazendo poses para as câmeras do que dominando o meio-campo. Quem controlou o ritmo do Real, de fato, foi Toni Kroos. E quem salvou o time, mais uma vez, foi Lunin nos pênaltis.
Mas ainda assim, no pós-jogo, lá estava Jude: centro das atenções, voz do vestiário, estrela da festa. Como se fosse ele o herói — mesmo sem ter decidido.
É esse o paradoxo Bellingham: o talento existe, mas o culto à sua imagem parece caminhar mais rápido que sua consolidação em campo. E isso, claro, incomoda. Principalmente quando os números mostram que ele tem menos assistências que Modric na temporada, menos gols que Vinicius, e uma média de passes-chave inferior a Camavinga. Mas o inglês é quem aparece nas campanhas da Adidas. É ele quem carrega a braçadeira moral do novo Real Madrid.
Arsenal e a vitória com ressalvas
Do outro lado da Europa, o Arsenal fez história. Pela primeira vez em mais de uma década, o clube alcança uma semifinal de Champions League. E sim, isso deve ser celebrado. Mas com certa moderação. Porque o adversário não era o Bayern de 2020, nem o de 2013. Era um Bayern esgotado, emocionalmente drenado e com buracos táticos escancarados.
Harry Kane foi neutralizado com facilidade, Sané parecia perdido, e a defesa de Upamecano novamente flertou com o desastre. O Arsenal, mesmo sem encantar, aproveitou as brechas — mérito do trabalho de Arteta. Mas a impressão que fica é que, se do outro lado houvesse um time em boa fase, o desfecho poderia ter sido bem diferente.
A atuação do Arsenal foi eficiente, mas longe de ser convincente. Saka e Martinelli estiveram apagados, Rice perdeu duelos importantes, e a bola parada virou a principal arma ofensiva. Isso é o suficiente para vencer? Sim. Mas sustenta o rótulo de potência europeia? Ainda não.
A vitória coloca os Gunners entre os quatro melhores da Europa, mas é justo perguntar: esse Arsenal seria semifinalista se enfrentasse o próprio Real Madrid ou o City nas quartas?
Duas histórias, um contraste
É curioso como o futebol cria suas próprias narrativas. O Real Madrid, mesmo sem jogar seu melhor futebol, segue como favorito natural — em parte pelo peso da camisa, em parte por nomes como Kroos, Modric e Vinicius Jr., e também porque aprendeu a sofrer nas fases decisivas.
Já o Arsenal ainda precisa provar que não é apenas um projeto bem executado, mas sim um time capaz de sobreviver às intempéries da elite europeia. E isso se faz com vitórias incontestáveis. O triunfo sobre o Bayern, por enquanto, é tudo menos isso.
Enquanto isso, Jude Bellingham segue acumulando holofotes. E talvez esse seja seu maior talento: estar sempre no centro das atenções, mesmo quando o brilho não é só seu.
David Carmo, defesa-central luso-angolano, sagrou-se campeão da Super Liga Grega pelo Olympiacos FC